Nesta quarta, 15, a Câmara de Cachoeiro recebeu público expressivo para a audiência pública que discutiu o Projeto de Lei nº 05/2024, de autoria do Poder Executivo, que busca autorização para contratar operação de crédito externo no valor de U$ 50 milhões (cinquenta milhões de dólares, valor hoje equivalente a mais de duzentos e cinquenta milhões de reais) da CAF – Confederação Andina de Fomento. A operação seria garantida pela União e os recursos devem ser empregados em obras estruturantes.
Lideranças políticas e comunitárias se inscreveram antecipadamente para utilizar a tribuna e direcionar suas dúvidas ao prefeito municipal Victor Coelho (PSB). “Estamos aqui hoje para uma discussão democrática, para que todos tenham conhecimento do que se trata o projeto. Ele continua em tramitação nesta Casa, com toda a seriedade necessária”, explicou Brás Zagotto (Podemos), presidente da Câmara.
“Por que fazer mais um financiamento?”
Esta era a pergunta inicial dos slides da apresentação de Coelho. Com grande presença de grupos de oposição ao seu mandato, que segundo ele já teriam opinião formada e não favorável ao empréstimo, o prefeito pediu que os presentes fizessem uma dinâmica: “Vamos fazer de conta que vocês são o prefeito de Cachoeiro e eu sou um técnico que vai apresentar a proposta. E daí, com argumentos técnicos, vocês podem decidir se o empréstimo é benéfico ou não”.
Ao longo da explanação, mostrou que Cachoeiro é uma cidade historicamente dependente de recursos do estado e da União, de onde vem 82,3% do orçamento do município. Mostrou, também, que amarga há anos as últimas posições no ranking de arrecadação per capita no estado. Um dos motivos seria a distribuição dos royalties do petróleo, que não privilegia o município. Apresentou bons índices de indicadores financeiros ao longo de sua gestão e informou que o município tem hoje uma empresa contratada especializada em grandes projetos e captação de recursos. “Não adianta ter bons projetos sem uma gestão organizada”. “Estamos muito bem nas coisas? Claro que não! Mas são indicadores que mostram que evoluímos ao longo desses sete anos e meio de gestão”.
Sobre precedentes para este tipo de operação, nesta altura do mandato, afirmou que o governo estadual iniciou processo semelhante em 2022, em pleno ano eleitoral, e não se ouviu falar de que a Assembleia Legislativa do ES ou a população fossem contra. Demonstrou que diversas cidades brasileiras ao longo dos anos também já contrataram operações de crédito internacional, em dólar, para investimentos essencialmente em obras de infraestrutura. Além de Recife, que teve a maior captação neste tipo de operação até o momento, mostrou números de cidades capixabas – Serra, Vila Velha, Viana e Vitória.
Justificando a capacidade de o município honrar estes compromissos, além de registrar a nota A obtida na avaliação do Tribunal de Contas do estado em relação à capacidade financeira, mostrou empréstimos contraídos pelos seus antecessores na prefeitura de Cachoeiro cujos pagamentos foram sendo realizados nas gestões seguintes, citou ainda outros tipos de dívidas que o município paga através de parcelamentos, como débitos previdenciários – IPACI e INSS, e diversas obras e investimentos que vem sendo realizados em Cachoeiro, com contrapartida do município, mas com participação fundamental de operações de créditos. A operação pretendida teria seis anos de carência para início dos pagamentos, o que seria em 2023, ano em que terminam quase todos estes parcelamentos que o município já tem.
Esclareceu também que há premissas específicas da CAF para escolha dos projetos contemplados e que as taxas e condições de pagamento estão melhores do que as ofertadas pela Caixa Econômica Federal, apresentando quadro comparativo entre as duas entidades.
Depois da apresentação do prefeito, seguiram-se as falas dos vereadores e demais inscritos. Confira um resumo:
Júnior Corrêa – Novo
Opina que entende a legalidade e necessidade de se tomar empréstimo, mas acredita que o que mais “está pegando no coração das pessoas” é a proximidade com o período eleitoral. Que é necessário entender melhor a necessidade do crédito em relação ao longo prazo, ao futuro de Cachoeiro, ou a um possível portifólio para campanha. Aponta muitas inconsistências nos projetos: Ciclofaixa da Beira Rio – que já poderia ter se iniciado durante as obras atuais de macrodrenagem, ciclofaixa da Av. Mauro Miranda Madureira – apresenta publicação de 2021 do diário oficial que anunciava sua implantação, Vila Olímpica – houve investimentos em 2018, quando estava orçada em cerca de R$2 milhões e agora está em 22 milhões no croqui atual, Ilha da Luz – projeto era R$7 milhões ano passado, foi abandonado, e agora está em R$15 milhões, não poderia haver construção e agora há previsão para uma grande sede para os escoteiros. Questiona também o que seria a “reurbanização” do Rio Itapemirim. “Acho mais prudente que o povo decida se quer dar continuidade ou não nesses projetos nas eleições”.
*Réplica do prefeito: O projeto para pleitear o empréstimo foi iniciado em maio de 2023 e não agora. Afirma que pagou em suas gestões 47% dos financiamentos herdados de seus antecessores. Credita alteração nos valores dos projetos ao aumento do valor dos insumos e afirma que os sucessores poderão optar por não realizar os projetos e não receber as próximas parcelas do financiamento.
Leo Camargo – PL
Afirma que o sentimento da população é o medo de ser lesado, “roubado mais uma vez”, por pessoas que vêm de fora, “como gafanhotos”. Pede um cronograma do que aconteceria a partir do momento que o financiamento seja aprovado.
*Réplica: Afirma que a primeira parcela talvez não entre nesta gestão, e que o procedimento, quando ela for liberada, é determinar quais projetos serão iniciados primeiro e ver se vão caber nesta parcela. Aos 80% de conclusão da obra é que se pode solicitar a segunda parcela ou não, mas é obrigatório encerar a parcela recebida e terminar os projetos antes de seguir adiante.
Leo Cabeça – PSDB
Afirma que o que mais assusta a população é o valor do montante. Questiona se é possível escolher receber o recurso apenas de algum dos projetos escolhidos, por exemplo, se quiserem executar somente a obra da Ilha da Luz.
*Réplica: Sobre o montante, reforça que a União, sendo garantidora do empréstimo, afirma que Cachoeiro é capaz de arcar com o pagamento. Acredita que não pode escolher apenas um projeto, mas é necessário executar os projetos a fim de utilizar o valor de cada parcela liberada. Lembra que são cinco anos de projetos a serem executados e não apenas um.
Osmar Chupeta – Republicanos
Cobra reforma de banheiros do terminal rodoviário da Beira Rio, para a qual já teriam sido destinado recursos e que já levou até bolo para “cantar parabéns” para o problema. Afirma que, do jeito que está, vota não para o empréstimo
*Réplica: Esclarece que um dos projetos é a revitalização de toda a Beira Rio, inclusos estes banheiros, e que não poderia realizar a obra sem recursos.
Mestre Gelinho – PL
Relembra que já foi aprovado anteriormente empréstimo de R$85 milhões para o município e afirma que não foi prestado contas do que deveria ter sido realizado com este recurso. Devido a esta falta de transparência, posiciona-se contra este novo empréstimo. Afirma que tinha esperança que sua comunidade do Nossa Senhora da Penha poderia ser contemplada com uma área de lazer utilizando este recurso anterior, mas não foi.
*Réplica: Esclarece que não havia obra no Penha comtemplada pelo empréstimo anterior e, sobre novo financiamento, foram apresentados todos os investimentos que serão contemplados.
Paulinho Careca – Podemos
Afirma que não existe transparência e credibilidade dentro da atual administração. “Se houvesse, não estaríamos todos aqui”. Aponta diversas inconsistências da administração municipal, como o fundo de trânsito estar sendo transferido para outra secretaria mesmo o departamento não tendo sequer uma viatura, além de não ter recursos para atender ao pedido de sinalização viárias para nenhuma das escolas para as quais solicitou, lembra transferência de recursos da Agersa para outra pasta também. Questiona sobre multa de possível quebra contratual caso o próximo prefeito não queira levar este financiamento adiante.
*Réplica: Esclarece que os projetos aprovados para o empréstimo de R$85 milhões foram alterados pelo banco o Brasil, assim como a CAF alterou os apresentados para este próximo financiamentos. Afirma que a alegação de falta de transparência não procede, considerando a avaliação do Tribunal de Contas e outras instituições, e que não tem multa por interrupção deste contrato.
Paulo Grola – Podemos
Manifesta ser contra o empréstimo por ser final de mandato e porque não contempla nenhum projeto para a agricultura e os distritos da zona rural.
*Réplica: Explica que nem todos os projetos enviados para a CAF para execução nos municípios foram aprovados e que ao longo do mandato foram alocados muito mais recursos que o previsto nos distritos.
Deputado Wellington Calegari – PL
Afirma não considerar os gráficos apresentados suficientemente elucidativos e reafirma ser contra a proposta. Relembra o que já foi falado por Junior Corrêa, de que os antecessores contraíram empréstimos, mas não em fim de mandato. Questiona que, em 2016, o prefeito afirmou que faria muito em Cachoeiro utilizando mão de obra própria da prefeitura e, agora, a terceirização é vasta na administração, e pede informações sobre o assunto. Questiona o aumento da dívida diante de uma possível crise cambial que atribui à má gestão da União e se há um plano de contingência para esta situação “catastrófica”. Questiona se o prefeito está disposto a ir até o fim na aprovação deste empréstimo, mesmo a população sendo declaradamente contra.
*Réplica: Diz que a boa avaliação da prefeitura em relação aos servidores é devido à sua alta qualificação, mas não que há quantidade suficiente de mão de obra para realizar tanta coisa sem que seja necessário terceirizar. Sobre a política monetária nacional, lembra que a carência para iniciar o pagamento do empréstimo é de seis anos, mesmo período em que, obrigatoriamente, o presidente da república seria outro. Ainda assim, organismos internacionais preveem que não haverá muita oscilação no câmbio brasileiro e, independentemente disto, lembra que os próximos prefeitos podem cancelar a operação.
Dr. Adílio – 2ª subseção da OAB ES
Apresenta considerações da instituição sobre o assunto e traz questionamentos para atender legislação, como estudos de impactos financeiros e orçamentários da operação e qual a operadora e controladora escolhidos, além de pedir disponibilização de parecer técnico da Casa para a população, ressaltando a importância da avaliação e decisão técnica e isenta da Câmara sobre a pauta. Sugere, se possível, ouvir representante da CAF e de outros municípios que já tenham tratado com a mesma. Sugere também que, havendo possibilidade técnica, faça-se a aprovação da matéria neste ano, porém com o adendo de a utilização ou não ser uma escolha do próximo prefeito , não sendo nenhum recurso utilizado ainda em 2024.
Clodoaldo Leonardeli
“Lamenta” a não manifestação de alguns vereadores sobre o assunto e parabeniza populares por virem manifestar a opinião que circula nas ruas. Apresenta dados que levantou sobre variação cambial do dólar e questiona como os sucessores vão arcar com as consequências.
Fernando Fioreze Dalvi – Associação de Moradores do IBC
Questiona sobre cronograma de obras que serão atendidas e o prefeito esclarece que depende da disponibilização da primeira parcela.
Diego Libardi – liderança do Republicanos
Parabeniza o prefeito pela disponibilidade de vir e esclarecer o projeto, mesmo sendo uma pauta reconhecidamente difícil. Criticou a forma como o projeto de lei foi conduzido, tendo sido apresentado, inicialmente em fevereiro, com apenas 30 linhas e sem detalhamento nenhum. Anexo com mais informações foi apresentado apenas após questionamentos e coletiva de imprensa, e isto teria quebrado a confiança da população.
Eloísa Borges – Associação de Moradores do Bairro Boa Vista
Pergunta qual seria a primeira obra a ser contemplada caso o empréstimo seja aprovado e sugere que a prioridade seja a conclusão do centro da cidade.
Firmino Araújo – Associação de Moradores do Bairro Ibitiquara
Relembra que, mesmo após manifestações, quem decidirá são os vereadores e opina que todos os representantes de associações de moradores deveriam estar presentes. Pergunta se sua região será atendida com alguma obra e se as comunidades poderão apresentar sugestões. Prefeito lembra que os projetos foram aprovados pela CAF e não podem ser alterados.
Júlio Ferrari
Alega ser má fé da administração apresentar projeto de lei inicialmente tão curto para uma pauta tão importante. Manifesta ser contra o empréstimo pela proximidade com o período eleitoral e que a população presente mostra ser contra também. Sugeriu ao presidente Brás Zagotto que o projeto seja engavetado. “Não coloque os vereadores em sacrifício, a população já disse não”.
Euler Mota
Questiona o fato de já haver material no local para pavimentação da estrada de Monte Alegre, em Pacotuba, que não foi feita, mesmo tendo recurso destinado a tal na época, juntamente com área de lazer para a localidade, e que agora esta obra está novamente listada como prevista nesse novo recurso. Afirma que o distrito de Pacotuba tem muitas necessidades não atendidas pelo município.
Prefeito explica trâmites para a aplicação do pavi-s fornecido pelo governo do estado, que precisou de licitação separada para apenas mão de obra, como está sendo feito em outras localidades, e será feito em Monte Alegre também. Também há previsão de obras de drenagem e pavimentação em Pacotuba nas próximas licitações.
Renata Fiório
Manifesta preocupação com a necessidade de aumento de arrecadação do município proporcionado por investimentos, e não por aumento dos tributos que a população já paga, como vem acontecendo. Assim, afirma que não há inovação nos projetos apresentados para atrair novos investimentos para o município, à exceção da urbanização do distrito de São Vicente. Questiona se é “a Venezuela” quem escolhe no que Cachoeiro vai investir, já que foi a CAF quem decidiu quais projetos seriam contemplados ou não, ao invés da Câmara, Famoppoci ou qualquer outra entidade que pudesse manifestar a vontade do cachoeirense. Questiona sobre contrapartida do município e o prefeito afirma que terrenos públicos foram aceitos como contrapartida pela CAF e, por isto, não haverá aporte financeiro neste sentido pelo município.
Andreia – Sindimunicipal
Afirma que gostaria de morar na cidade que foi apresentada nos projetos, mas a realidade é diferente e os servidores permanecem sem reajuste salarial.
Arthur Buteri – Condomínio Montanha
Questiona utilização da ouvidoria para acesso à informação, que foi respondida com a necessidade de ser encaminhada via Câmara, devido a ser assessor parlamentar. Questiona se há previsão de utilização da verba do empréstimo para adequação de curva na descida do residencial Montanha, sentido Shopping Sul.
Wesley Mendes
Relata que observa há 20 anos que Cachoeiro não é capaz de resolver os próprios problemas por falta de planejamento. É a favor de que o governo possa buscar crédito a qualquer tempo, desde que não coloque em risco as contas públicas.
Roseane Silva – bairro Nossa Senhora Aparecida
Cobra investimentos prometidos e não realizados no bairro, como abrigo de ônibus, alteração em escola e reparo em via calçada em revsol. “Como vamos confiar na realização de obras grandes se as pequenas, nos bairros periféricos, não são atendidas?”.
Pablo Lordes – liderança Podemos
Questiona escolha de obras apresentadas pela prefeitura como opções a serem aprovadas pela CAF. Questiona do que se trata dotação de U$1 milhão e oitocentos mil para estudos técnicos dos projetos, sendo que os projetos já são apresentados prontos. Afirma que critérios políticos são legítimos para definir a votação dos vereadores e que orienta aos do seu partido, neste momento, a votarem não ao empréstimo.
O prefeito esclarece que houve consulta à população sobre quais obras seriam prioridade, dentro do escopo do que pode ser contemplado pela CAF.
Wilson Dillem
Pede a solução de diversos problemas do município, como áreas de APP, crescimento desordenado, a exemplo da área de Monte Líbano, e falta de incentivo para empresários trazerem suas empresas para o município. Alega que, com contrapartidas que incentivassem às empresas a aqui se instalarem, talvez não fosse necessário pleitear empréstimos.