Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que as mulheres representam 51% da população do Espírito Santo. O levantamento também revela que 62% da população capixaba é composta por negros, incluídos pretos (11%) e pardos (51%). Apesar disso, no Legislativo capixaba a representatividade desses segmentos ainda está abaixo da realidade demográfica.
As quatro mulheres eleitas para a próxima Legislatura representam 13,3% do Plenário, composto por 30 cadeiras. Já no quesito étnico-racial, entre os eleitos, os autodeclarados brancos são a maioria: 19. Enquanto 9 se consideram pardos, 1 preto e 1 indígena.
A partir de fevereiro de 2023, junta-se às três deputadas estaduais reeleitas no pleito do dia 2 de outubro a atual vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol), que foi eleita com 52.221 votos, tornando-se a mulher mais votada da história da Assembleia Legislativa (Ales). As reeleitas são Iriny Lopes (PT), Janete de Sá (PSB) e Raquel Lessa (PP).
A parlamentar será a única pessoa autodeclarada preta a compor a próxima bancada – atualmente são dois deputados – e lamenta que mulheres e negros tenham tão baixa representatividade na Casa.
“Lamentavelmente nós tivemos a ampliação apenas de uma mulher, de três passaram a quatro, o que obviamente significa um quantitativo muito insuficiente diante da necessidade de ampliar a representatividade de mulheres. Nós defendemos e acreditamos na paridade, então, na nossa avaliação, seria necessário no mínimo 15 mulheres para que tivéssemos de fato um Legislativo representativo”, avalia a deputada eleita.
Diálogo
Camila entende que o diálogo com a sociedade é o caminho para mudar essa realidade. “Nós entendemos que o legislar dos deputados deve ser pautado numa lógica coletiva, de diálogo, de ampliação dos espaços de debate com a sociedade. Acho que, por meio do mandato, a gente consegue cobrar e fiscalizar o Executivo estadual, fiscalizar esses cargos de gestão, cobrar que esses cargos públicos não desvirtuem daquilo que é sua obrigatoriedade”, afirma.
Ainda sobre a atuação no Parlamento, Camila reforça que o trabalho deve ser pautado nos interesses da população e lamenta que o parlamentar não tenha muita força propositiva para mudar a questão da representatividade nos cargos públicos. “A gente sabe que o Legislativo tem limites para legislar sobre servidores públicos, essa acaba sendo ainda uma atribuição muito mais do Executivo”, opina.
Atuação
Apesar de o resultado das urnas não ser abrangente em termos de representatividade, Camila diz que colocará seu mandato a serviço da população que não se sente representada. “O foco do nosso mandato é, de fato, fazer com que o Legislativo tenha um olhar especial para os setores que não estão representados nesse espaço. Nosso mandato vai travar muitas lutas para garantir que essas pessoas tenham os seus direitos satisfeitos”, compromete-se.
Violência contra a mulher
Em 2021, o Espírito Santo registrou 106 assassinatos de mulheres, dos quais 38 foram classificados como feminicídio. A parlamentar destaca a necessidade de mudança estrutural para enfrentar uma situação que considera complexa: “O feminicídio perpassa pela lógica do machismo, do patriarcado, do controle sobre a vida, sobre os corpos das mulheres e não tem a ver com a falta de autodefesa ou de força para autodefesa”, comenta.
“Quem quer vender armas dizendo que é uma forma de combater o feminicídio, apenas quer deixar as mulheres ainda mais vítimas desse feminicídio. Com acesso à arma de fogo mais facilitado, obviamente as mulheres vão morrer mais facilmente. Quanto mais armas circulando, obviamente mais vítimas letais, muitas vezes mortes que poderiam ser evitadas”, afirma.
População negra
Dos 30 deputados eleitos, 19 se autodeclaram brancos, 9 pardos, 1 preto e 1 indígena. Os dados sobre violência chamam a atenção quando se trata do recorte racial e exigem mudanças na política de segurança, segundo a parlamentar. Em 10 anos (de 2009 a 2019), das 16.796 pessoas assassinadas no Espírito Santo, 13.089 (78%) eram negras.
“Por isso que a gente vem chamando de genocídio o extermínio da população negra. Os dados, de fato, são alarmantes e denunciam que a gente não vive uma democracia racial, ao contrário. Para mudar essa realidade, primeiro a gente precisa mudar a lógica da política de segurança pública. Nós não podemos ter uma política pautada na guerra às drogas, que na prática significa guerra aos territórios pobres, mais vulneráveis”, avalia.
Para Camila, é necessário que as forças de segurança traçem estratégias de inteligência, com foco no comando do crime organizado. “A gente precisa de uma política de segurança pautada em mais inteligência, no sentido de enfrentar, por exemplo, quem comanda essas organizações criminosas, e não enfrentar no varejo, que só mantém uma lógica de sistema carcerário superlotado, que só mantém uma lógica também de morte de jovens negros”, afirma.
“É preciso rever a lógica das relações raciais no Brasil, a gente precisa alterar os casos de desigualdade na área da saúde, da educação, do trabalho, da geração de emprego e renda. A médio e a longo prazo eu acho que a primeira grande estratégia, é a que a gente já vem construindo no Brasil há muitos anos, são as políticas de ações afirmativas, que devem ser ampliadas, que devem ser articuladas, obviamente, com políticas que geram condições concretas de vida para a população negra”, conclui.