Artigo

A roda que Camilo inventou – Por Luiz Trevisan*

Para quem veio de Castelo e chegou em Cachoeiro calçando tamancos, Camilo Cola foi longe. Andou pelos campos da Itália como soldado, na Segunda Guerra Mundial, no front economizava os cigarros que vendia depois. Na volta, a partir de uma linha de crédito especial para ex-combatentes, previu o avanço do setor rodoviário e nele investiu adquirindo um ônibus. Daí até erguer a Viação Itapemirim, que chegou a ser a maior da América Latina, gerando renda e emprego para muita gente – minha primeira carteira de trabalho assinada foi lá, escriturário. Contudo, Camilo Cola não conseguiu fazer um sucessor à altura, a empresa patinou na insolvência e foi virando um elefante desmontado no complexo tabuleiro jurídico da recuperação econômica. Em 2017, ele e família venderam a Viação Itapemirim. No dia 29 de maio de 2021, recolhido na fazenda Pindobas, seu xodó, morreu aos 97 anos.

Ao longo de sua trajetória, em meio às atividades empresariais, sempre gostou da política e nela investiu até como forma de sobrevivência na selva dos interesses públicos. Ali fez manobras radicais: aderiu ao governo militar pós-1964, filiando-se à Arena, conhecido como “partido da ditadura”, isso entre 1966-1979. Depois ingressou no PSD, partido de centro. Com a redemocratização, rumou para o PMDB, entre 1986-2017, partido de centro-esquerda. Ficou famosa sua participação como candidato a senador, em 1986, numa chapa com o título de “Macaca”, pois reunia Max-Camilo-Camata. O primeiro era candidato a governador, Camilo e Camata (Gerson) concorrendo às duas vagas para o Senado. Parecia imbatível, pois reunia políticos renomados e um empresário bem-sucedido. Durante a campanha, ficaram famosas as “Cartas de Dona Inês” – uma invenção publicitária do jornalista Marien Calixte – publicadas nos jornais, onde a mulher de Camilo comentava a trajetória e os planos do marido no Senado.

Apurados os votos, Max Mauro e Camata foram eleitos, mas Camilo perdeu a segunda vaga de senador para João Calmon, o que levou Dona Inês Cola a fazer um comentário bem humorado, diante das circunstâncias: “Dessa Macaca, Camilo ficou com a banana”. Voltaria a disputar nas urnas, em 2006, como candidato a deputado federal, aí sim com sucesso, pela legenda do PMDB. Curiosamente, antes dessa campanha havia resistências ao seu nome entre alguns caciques do partido temerosos da concorrência.

Uma das manobras era negar a legenda para Camilo disputar. Na época, eu era redator de coluna política em A Tribuna, tomei conhecimento do fato e publique uma nota relatando os bastidores daquele boicote armado. A assessoria do empresário tratou de replicar aquilo em todos os canais possíveis. O clima pesou no partido e os “caciques” não tiveram mais como negar a legenda ao empresário. Tempos depois recebi um convite dele para ir ao seu camarote, antes de um show de Roberto Carlos, no ginásio Álvares Cabral, em Vitória. Ele queria me agradecer pela tal nota publicada. “Aquilo mudou o curso da minha história na política”, contou, ao me receber oferecendo uísque com caviar.

Aliás, somente ali eu soube o que era caviar, só havia ouvido falar, como no samba do Zeca Pagodinho. Durante a conversa, um assessor comentou com Camilo que eu também tinha recebido um título de “Comendador”. Pontuei que agora éramos “iguais no título, e que a nossa diferença estava no saldo bancário”. Foi quando me confidenciou que no início da sua vida lavava carros para sobreviver, não tinha dinheiro para sapatos e usava tamancos. Daí o apelido antigo que ele então reciclou, divertido: “Agora sou o Comendador Tamanco”.

Camilo Cola talvez seja o nosso maior exemplo de como a roda dos negócios gira rapidamente. Em cerca de 60 anos, outras grandes empresas que movimentaram a economia do Sul capixaba, como Lojas Dadalto, Calçados Itapoã, Transportadora Chein e Cimento Ouro Branco, sucumbiram, de um jeito ou de outro, mudaram de mãos, foram encampadas ou faliram engolidas pela concorrência. A história da Viação Itapemirim mostra como um sujeito pobre, que calçava tamancos, reinventou a roda do transporte e conseguiu ir tão distante. 

*****************************************************************************************************************

*Luiz Trevisan é jornalista (Essa crônica inédita sobre Camilo Cola estará no seu próximo livro, a ser lançado até setembro deste ano.)

Foto: Camilo Cola e sua esposa Inês Cola (gentilmente cedida por Alberto Moreira)

Confira mais Notícias

Análise Política

Perfil conciliador leva Alexandre Maitan à presidência da Câmara de Cachoeiro

Vereador Eleito

Thiago Neves, o garoto prodígio do PSB

Análise Política

Fernando Moura, a novidade boa na transição de Ferraço

Análise Política

Ferraço não vai a debate, cria fato novo e põe sua eleição em risco

Análise Política

Polarização, o terror de Ferraço nas urnas – por Ilauro Oliveira

Análise política

Pelé ouviu seu pai, Dondinho; Ferraço deve ouvir a História: parar no auge

Derrubador de gigantes, Casteglione avisa: “Serei candidato em qualquer cenário”

Análise política

As mexidas de Victor Coelho dão novo fôlego ao governo

plugins premium WordPress