Muitos vi de perto. De outros já não me lembro. Mas todos estiveram pelas ruas de Cachoeiro de Itapemirim à procura de alguém que captasse, com antena delicadíssima, suas histórias e formas de viver, e depois espalhasse crônicas que são verdadeiras fotos de suas vidas. Assim fez Wilson Márcio Depes em seu Fotocrônicas.
É livro que não se lê com os olhos. Por isso, talvez, tenha demorado tanto para passar página por página, e parar em cada parágrafo, relembrando essas figuras doces e misteriosas que podiam ser vistas diariamente pelas ruas de Cachoeiro. Certamente por isso demorei décadas para ler e me emocionar.
Aos poucos foram sumindo, todos eles, silenciosamente, como entre nossos dedos passam os anos de nossa breve vida. Dos personagens do belo livro do cronista cachoeirense, talvez Seu Zezinho seja o único que muitos conheçam ou ouviram falar. Os demais simplesmente desapareceram na poeira das ruas, anonimamente, mas não esquecidos.
Ler o Fotocrônicas foi me emocionar tanto pela lembrança de figuras lendárias do nosso cotidiano que já partiram, quanto por esse Cachoeiro que igualmente se vai, triste, pelo mesmo caminho de esquecimento.
Nossa cidade está pobre e vazia de personagens. Nossas ruas passam por nós irreconhecíveis. E passamos por elas na esperança de ver alguém que relembre o que fomos. Não temos.
Somos, no fundo, todos personagens que caberiam em um novo Fotocrônicas do escritor. Vagamos pelos bairros vazios do nosso glorioso passado, procurando o rumo que Cachoeiro perdeu. É uma cidade que aos poucos se vai anonimamente, como os personagens dos olhos do cronista.
Não se fala aqui de dinheiro, de riqueza, mas de gente. Das mais simples às mais importantes. A Cachoeiro que tem os ricos de sempre está cada vez mais pobre. Não há dinheiro que pague a ausência de gente que respire sua cidade.
Em uma das últimas vezes que estive com Marco Antonio Carvalho, biógrafo de Rubem Braga, no Mercado do Amarelo, já falávamos sobre a pobreza que se iniciava por aqui. Ao ler o Fotocrônicas hoje volta à memória essa conversa. Era uma conversa triste e ao mesmo tempo boa. Como cada rosto de cada personagem de Wilson Márcio Depes.
O Fotocrônicas vale e valerá ser lido, agora ou muito tempo depois. Porque é um livro que fala de pessoas simples, mas sem as quais não se pode construir uma verdadeira cidade.
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“Tanta coisa eu tinha a dizer / Mas eu sumi na poeira das ruas” – Sinal Fechado (Paulinho da Viola)